Quem acha que o universo infantil é feito de gracinhas e sorrisos, pode-se espantar com a realidade. A carioca Daniela, de 4 anos, irrita-se quando a irmã mais velha, Luiza, de 5, está sossegada em seu quarto. Aproveitando-se de eventuais descuidos dos pais, aproxima-se da irmã para aprontar alguma - seja surrupiar-lhe um brinquedo gritando em seguida "Luiza não me pega!", seja dar-lhe um cutucão. Na escola, a menina até se comporta bem, desde que não a provoquem. Caso contrário, a resposta é imediata e bem marcada por seus dentes pequenos e ligeiramente separados. O paulista Luiz, de 5 anos, também gosta de aprontar. É um garoto "impossível", como o chamam na escola. Agitado, baderneiro e desobediente, ele costumava sair do lugar para beliscar os colegas. Mateus, do Rio de Janeiro, de 5 anos, vive o papel oposto. Tornou-se o alvo predileto de brincadeiras de mau gosto aplicadas por garotos do prédio onde vive, no bairro do Méier. Foi obrigado a beijar os pés dos "amigos", a carregar os vizinhos nas costas e a receber palmadas pelo corpo. O cotidiano de Daniela, Luiz e Mateus, cujos sobrenomes foram omitidos para preservá-los, se repete em cada prédio, rua ou bairro, em qualquer cidade, estado ou país e propõe uma pergunta.
Existem crianças boas e crianças más? Qualquer adulto que já tenha ido a pelo menos uma festinha infantil acha que sim. Que existem os bons e os maus. Os bons são aqueles que sorriem para os titios quando ouvem um elogio sobre o jeito elegante como se vestem, sentam-se como adultos e conversam empregando a gramática, se não corretamente, ao menos com educação, sem recorrer a palavrões e gírias. Os maus abrem os presentes do aniversariante, passam o dedo no bolo antes que seja cortado e empurram, batem e xingam quem ousa barrar a caravana da destruição. E quando se é obrigado a conviver com o malvado porque ele é filho de um casal amigo? Visitando sua casa em companhia dos pais, o garoto resolve chutar seu cachorrinho de estimação, e os pais dizem apenas que "esse menino é de morte". Apesar dessa impressão, os estudos feitos por psicólogos e educadores garantem que as crianças podem misturar atitudes boas e atitudes ruins, mas não se pode separá-las em dois grupos. "A criança pode estar mais ou menos agressiva, dependendo de sua necessidade de afirmação ou em razão de um padrão rígido de comportamento exigido pela família", ensina a professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília Fátima Sousa. Em maior ou menor grau, crianças são rebeldes porque essa característica é inerente à personalidade infantil e a idade é fator decisivo. Até 1 ano, é impossível querer usar de disciplina para fazer com que um bebê se comporte com educação. Como querer que deixem de puxar os cabelos do irmão mais velho? Só por volta dos 3 anos a criança começa a desenvolver a consciência do que é certo e errado. A ciência investiga para saber até que ponto o comportamento de uma criança pode ser definido geneticamente. Até onde se sabe, pais de bom comportamento não garantem filhos bonzinhos, assim como uma criança má não necessariamente espelha a forma de agir do pai e da mãe. A corrente mais forte dentro da psicologia atual é a que diz que o ser humano tem tanto tendências à agressividade quanto à reciprocidade. Ou seja: a criança não nasce definida para qualquer um desses lados. "Ninguém nasce santo ou assassino", apregoa a professora Fátima. Por que a criança costuma se tornar agressiva depois dos 3 anos de idade? Porque ela percebe que o jogo social tem muitas regras. Sem saber como se comportar, ela tenta se impor de qualquer forma. Crianças como Luiz e Daniela, que perturbam outras como Mateus, existem em muitas famílias, mas ninguém nasce bom ou mau. O que os pequenos fazem é ir invadindo o limite dos outros e, sem encontrar resistência, seguir no movimento de ocupação de espaço até que se tornam inconvenientes. Os pais têm grande responsabilidade nesse processo, e uma forma de brecar um comportamento impróprio dos filhos dentro e fora de casa é impor disciplina. Embora seja difícil encontrar a fórmula certa de fazer isso, é importante que se saiba que as crianças são maleáveis. Ou seja, com um pouco de paciência e atitudes firmes, os pais conseguem reverter um comportamento malvado. Para enfrentar o problema é preciso antes compreender o fenômeno. Quando está falando sobre o mundo dos erros infantis, a maioria dos adultos se esquece de como é tentador fazer algo proibido. Que pai ou mãe jamais acelerou o carro além dos limites indicados na placa ou fez uma conversão proibida à esquerda? Com as crianças é a mesma coisa. Da mesma forma que o adulto consegue listar várias razões para justificar seu ato irregular, a criança também consegue. Esse é o fenômeno. "A transgressão das crianças tem a mesma motivação da transgressão dos adultos. Só que tendemos a ser mais compreensivos com os nossos abusos do que com os delas", diz Renato Dias Ribeiro, presidente da Associação Psiquiátrica do Espírito Santo. A maior parte dos pais, no entanto, quando toca no tema disciplina, está mesmo querendo falar sobre punição, sobre como castigar o filho, de modo a evitar que ele se torne um malvado. Na maioria dos casos, não há razão alguma para falar em punição. A melhor saída é mostrar através de exemplos qual é a maneira certa de agir. Enquanto são pequenas, as crianças aprendem tudo o que sabem com os pais. Portanto, se elas não têm limite, saiba que a responsabilidade não é delas. É sua. Sem regras sobre horários, sem limite diante da televisão, mandando em casa, a criança reproduz esse ambiente no convívio social. Quando crescem um pouco, surgem outros focos de influência, como os professores e os amigos. Os pais deixam de ser o único modelo a ser seguidos, mas seguem sendo a maior influência sobre os filhos. "Em quase toda a vida dos filhos o exemplo dos pais é sempre um referencial de comportamento", afirma a educadora Cláudia Dansa, diretora de escola de Brasília. "Na infância, eles têm o papel de ajudar a criança a fazer uma adaptação crítica às regras sociais." Castigos podem eventualmente ser necessários, desde que aplicados na hora certa (veja quadro abaixo). A criança está muito malcriada? Corte a televisão ou deixe-a algumas horas no quarto. Vale tudo, menos bater. E há várias razões para isso. A primeira é que bater não passa de um desabafo dos pais, que demonstram, assim, não ter o devido controle sobre as próprias emoções. Depois porque, na cabeça da criança, se os pais podem bater, ela também pode. O castigo deve servir para dar ao pai ou à mãe a sensação do dever cumprido, pois estão educando. Aos filhos, ele ajuda a compreender que fez algo de errado. "Batendo, os pais têm a ilusão de estar educando os filhos, que se sentem injustiçados e podem reagir com comportamento mais agressivo", afirma o psiquiatra Renato Dias Ribeiro. Como repreender os filhos Quando seu filho apronta, é preciso agir rápido. Para isso, é necessário que a criança saiba o que é certo antes de ser cobrada pelo que fez de errado. Abaixo, uma lista de repreensões e quando usá-las. Encenação: Quando seu filho tem ataques de birra e gritos no restaurante e nada funciona, pegue-o pela mão e, calmamente, leve-o embora. Ele tenderá a fazer diferente da próxima vez.Olhar: Quem foi filho conhece aquele olhar fulminante à prova de malcriações.Repetição: Diga "não" sempre que seu filho quiser fazer algo que ele sabe que não deve. A técnica é usada para evitar que crianças pequenas exponham-se a situações de risco.Negociação: Se dois filhos seus, ou seu filho e um amigo, estiverem disputando um brinquedo, intervenha e dê-lhes alternativas. Podem dividir o brinquedo ou partir para outra brincadeira. Grito: Costuma ser eficiente, mas cuidado. Se você grita sempre, põe a autoridade em risco e dá um mau exemplo para os filhos. Restrição: Corte aquilo de que a criança mais gosta. Ir ao clube, ver televisão, brincar no computador etc. Palmada: Quando a situação impõe e você é obrigado a dar uma palmada no bumbum do seu filho, agüente firme. Não vale fazer carinho logo depois.Surra: Nada de agressões físicas. Espancar é a confissão de que você não consegue manter a situação sob controle. De mais a mais, não é punição, é desabafo. O que fazer quando a criança mente? Ideal é explicar que é errado mentir. Muitas vezes a criança está fantasiando, em outras ela mente com a intenção clara de enganar, o que é grave. Nesse caso, é preciso dar uma bronca. Fonte: Revista Veja - Especial Bebês 2000
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